Para quem não sabe, mas lá muito antigamente quem publicava os quadrinhos da Marvel e DC no Brasil era a editora Abril. E uma das coisas que ela adorava fazer era cortar páginas e edições inteiras – sem dar justificação alguma. Inúmeros personagens tiveram até mesmo longas sequências de histórias saltadas.
Eu vim a adquirir algumas dessas histórias, comprando as edições originais. Admito agora que alguns saltos não foram tão absurdos assim, pois economizaram nosso tempo e dinheiro – eram histórias para lá de ruins.
O caso que mostrarei hoje é um tanto difícil de julgar, pois o personagem já era mequetrefe e ferraram ele de jeito: RAVAGE 2099 – que teve apenas sua primeira história publicada no Brasil, e depois somente lá no volume 12 ou até mais, talvez nem isso.
Criado pela lenda Stan Lee e pelo excelente artista Paul Ryan, Ravage 2099 era assim:
Antes de mais nada, uma breve introdução ao universo 2099. Lembram que dias atrás comentei que muitos heróis novos são apenas variações de heróis já existentes? Então.
Homem-Aranha 2099… Justiceiro 2099… Motoqueiro Fantasma 2099… Hulk 2099… Dr. Destino 2099…
A ideia é assim: pegue um cara com um nome e uma personalidade diferente dos heróis originais (mas não muito diferente), e coloque no mundo cyberpunk de 2099. Fechou.
Certo, o Homem-Aranha 2099 tinha histórias fabulosas, mérito do grande Peter David. E os X-men 2099 era meio que zoado demais. Mas no fundo, apenas UM herói deste mundo era original: Ravage 2099, o homem, o mito.
Quer dizer… um tanto original. A ideia: executivo descobre que sua empresa polui a natureza. Ele se revolta. Vai até o lixão e pega calotas e engrenagens como armas somado com umas armas de fogo. Em suma, total Trash Comics.
A edição no Brasil parou aí. Podem imaginar como fiquei bravo pela ed. Abril… não apenas era a única coisa semi-original do universo 2099, como era desenhado pelo incrível Paul Ryan e escrito pelo Stan Lee. Não me importa que a história é ruim, é o Stan Lee! É o cara que criou um monte de heróis e vilões que adoramos. Nem vou começar a dar nomes aos bois, pois senão vou ficar o dia inteiro escrevendo.
De qualquer maneira… uma coisa curiosa sobre o Ravage é que a origem dele não é a do volume 1 – ela expande várias edições. Logo no volume 2 ele começa a mudar e mudar e a origem meio que termina no volume 8. Meio que… e já vão saber porquê.
O Ravage, então, armado de lixo, vai resgatar sua namorada numa ilha radioativa. De repente ele começa a falar com gíria e sotaque, mesmo antes sendo um executivo com um vocabulário exemplar. Na ilha ele fica cego de um olho e começa a usar um visor com certas funções, e ganha o poder de soltar raios pelas mãos. O primeiro arco se fecha no volume 8. Não é uma obra-prima, mas dá pro gasto.
Qual eram os planos para depois? Só Deus sabe. Pois, com as vendas ruins, tiraram o Stan Lee da jogada e deram o título para Pat Mills escrever (e colocaram desenhistas bem fracos no lugar), que na época fazia o Justiceiro 2099.
Quem é Pat Mills? O cara é famoso no Reino Unido, tendo escrito muitos personagens para a 2000 A.D., entre eles o Slaine e o Defoe, que são até bem bons. Nos EUA escreveu o Marshall Law. Tem méritos, mas nunca conseguiu sair muito daquele mundo de histórias semanais da 2000 AD. Uma característica marcante dele é ser muito violento e irônico, e ele se segurou escrevendo para a Marvel.
De qualquer forma, o que ele fez com o Ravage no volume 9? E do nada, pois a história 9 nem encaixa adequadamente com o fim da 8, não tem continuidade. Sabem a lista lá em cima de heróis 2099? Não acham que faltou alguns? Capitão América… Homem de Ferro… Wolverine…
Sim, ele tornou o Ravage uma espécie de Wolverine 2099. Vamos ver que poderes o Ravage 2099 versão Mills possuía?
Força, velocidade, durabilidade, estamina, agilidade e sentidos como os de um animal.
Garras.
Fator de cura.
As histórias, a partir de então, se tornaram ilegíveis. Eu tinha alguns volumes que acho que usei pra segurar um vazamento aqui em casa. E os desenhos… credo. O Ravage 2099 de Lee/Ryan era um personagem inesquecível e fundamental? Óbvio que não – era fraco, embora bizarro, e sem dúvida possuia certa originalidade. Mas sabe como diz o ditado – se não tem ninguém por perto para melhorar, chame alguém para piorar.
De qualquer forma: tome isso, Ravage 2099, em qualquer uma das versões:
No próximo post, falaremos de racismo nos quadrinhos – um caso específico.