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(minha história com) Perry Rhodan

19 abr

Quando eu era criança, lia muitos livros publicados pela editora Ediouro. Havia uma série chamada Elefante que consistia de adaptações de obras clássicas para o público infantil e infantojuvenil, e que eu adorava. A editora possuía um sistema de vendas por reembolso, em que o cliente pedia os livros por correios e depois os retirava em uma agência, somente então pagando os custos. Nos livros era comum haver uma lista de outras obras, além da ficha que deveria ser enviada.

Em algum momento, eu decidi pedir um livro de uma série chamada Perry Rhodan, sobre a qual eu pouco sabia — era de ficção científica e possuía centenas de números. Algo que chamava a atenção eram os resumos dos ciclos das séries (conjuntos de 50 ou 100 livros), que soavam bastante bizarros (até hoje soam) como, por exemplo, o do ciclo “Os Cappins”:

“Perry Rhodan utiliza o deformador de tempo-zero para viajar ao passado da Terra e encontra os Takerer e Ganjasen, povos da família Cappin. Acaba conhecendo Ganjo Ovaron, usa a Marco Polo para viajar à Galáxia de Gruelfin e ajuda Ovaron contra a Mãe Original”.

Que loucura era isso?

Enfim, escolhi um livro desse tal ciclo, “O Supermutante” (416), pois na época eu lia os gibis dos X-men e achei que seria bacana ver mutantes fora dos quadrinhos Marvel.

Resumindo, com meus oito anos, não gostei do livro numa primeira tentativa de leitura. Só uns dez aos depois cheguei a lê-lo integramente, e achei tudo diferente, embora merecesse mais pesquisa. Então a série não era mais publicada, mas consegui alguns volumes usados e comecei a explorar esse universo. Li algumas histórias do 1o ciclo, “A terceira potência”, e do 5o, “Os senhores das galáxias”.

Nesse exato momento, sincronicamente, uma editora, SSPG, surge para continuar a saga de Perry Rhodan a partir do 11o ciclo, “O concílio”. Caí de cabeça na onda! Assinei a série e fui lendo incessantemente os volumes. Li esse ciclo (50 novelas), o seguinte (“Afilia”, 100 novelas), e quando comecei o próximo (“Bardioc”) não aguentava mais essas histórias e queria jogar alguns volumes pela janela. Então parei de acompanhar a série, que logo seria interrompida, e continuaria em um hiato por vários anos. Depois, voltaria em formato digital, que eu não curto ler. E pensei que seria o fim de minhas leituras.

Porém, voltaram a lançar as novelas (chamo assim pois são isso — aproximadamente 85 páginas cada uma) fisicamente, e decidi me arriscar em um ciclo atual, “O tribunal atópico” (38o ciclo). São histórias recentes — 2013 — enquanto que as que inauguram a série são da década de 1960, e as de “O concílio” da década de 1970. Fiquei surpreendido com o ciclo moderno, e passei a refletir sobre o que eu gostava tanto em Perry Rhodan inicialmente, e por que uma hora cansei das histórias. Vou relatar minhas memórias, que pode ter alguns erros em relação a alguns pontos específicos de tramas e personagens, mas sem custo ao plano geral.

O ciclo “O concílio” inicia com um povo mais evoluído que os terranos, os Lares, exigindo que os humanos se submetam ao tal concílio, que consistiria em sete povos diversos. Incapazes de vencer esses povos, Perry Rhodan decide enviar o Planeta Terra para outra parte da galáxia.

Sim, o universo Rhodaniano é muito ambicioso. Nota-se que um evento tão disparatado quanto esse é suportado por inúmeras constatações científicas. Os autores não apenas buscam uma “veracidade” astrofísica na série, como alguns escritores são, de fato, cientistas. Talvez seja difícil indicar a um amante atual de ficção científica quão grande é o escopo de Perry Rhodan. Vou resumir assim: Star Wars é uma música pop de dois acordes que dura três minutos. Star Trek é um disco duplo de uma banda muito talentosa. Perry Rhodan é uma orquestra sinfônica junto a uma banda progressiva virtuosa com dezenas de discos lançados.

De qualquer forma, “O concílio” foi um bom ciclo, bastante interessante no início, com a tentativa em se derrotar os Lares e seus aliados, a “fuga” da Terra, a descoberta de outros povos do tal concílio. Mas houve certos problemas, muito pela própria estrutura da série. A ideia é que o arco narrativo sempre esteja em movimento, mas ocasionalmente há aquelas histórias mais usuais, no estilo Star Trek de uma nave precisar de algo de um planeta e ver-se em um conflito com os locais (noto que Perry Rhodan é anterior a Star Trek). São casos raros, e algumas dessas histórias são até boas; mas sempre tem os autores menores que acabam escrevendo esse tipo de tapa-buraco (mais sobre os autores em seguida). Raramente também ocorre de um evento desenvolvido por um autor ser esquecido nas histórias subsequentes.

O segundo problema é uma tendência da série de ter três ou quatro tramas paralelas que se intercalam. Geralmente há duas principais: além da Terra vagando pelo Universo, há os habitantes do Sistema Solar que ainda lutam com os Lares, por exemplo. Mas é comum aparecer outras tramas menores que, do lado negativo, tiram a atenção da trama maior, e, do positivo, “descansam” o leitor do problema maior. Às vezes funciona, às vezes não. Enfim, creio que, de 50 novelas do ciclo, umas 6 foram acima da média, umas 30 foram bem bacanas, e o resto mais pro fraco ou ruim.

Então veio o ciclo “Afilia”. Uma das tramas da primeira metade do longo ciclo: na Terra, as pessoas perdem os bons sentimentos e se tornam apáticas, com histórias que simbolizam estados opressivos do século XX. São histórias excelentes. A segunda trama é Perry Rhodan viajando pelo Universo buscando descobrir a origem e objetivos do Concílio. E essas histórias, caros leitores, são EXCEPCIONAIS. Lembro que era coisa de realmente perturbar e admirar. Só consigo comparar com os grandes episódios de Star Trek (“The mesure of a man”, “A year of hell”), isto é, o fino do fino. Noto que Perry Rhodan não possui a grande qualidade do Star Trek, que é a profundidade psicológica de certas personagens. Rhodan é mais sobre a humanidade do que sobre humanos específicos, sobre o destino dos humanos e não sobre esse ou aquele capitão ou engenheiro.

Enfim, lembro de histórias maravilhosas: “Às margens da sétima dimensão” (712), “Especialistas da noite” (727), “Caminhos para o nada” (730)… uma construção incrível de uma mitologia espacial. Nunca vi nada sequer similar.

O problema é que, depois de ler essas histórias incríveis, o que se seguiu me decepcionou. Na segunda metade do ciclo, a Terra está desabitada, com poucas pessoas nela, e Rhodan segue viajando pelo Universo, descobrindo detalhes de uma entidade que seria o foco do ciclo seguinte. Mas nada que me impressionou. Sim, algumas boas histórias, mas depois de algo tão grandioso, a ressaca bateu. Embora ainda não tenha sido o fim de minhas leituras então, que ocorreu no ciclo “Bardioc” — cuja primeira história, “A imperatriz de Therm” (800), é absurda de incrível. É fabulosa. Novamente, provavelmente eu esperava que a qualidade se mantesse… mas, depois, não curti mais a saga. Lembro que havia uma personagem que era sete mentalidades em um só corpo (acho que o nome era X-7) que ficavam discutindo entre si… Olha, deve ter sido a pior personagem que já vi em uma história do Perry Rhodan. Era abismal de ruim. O choque foi ainda maior por vir de um autor de quem eu sempre esperava muito, William Voltz, o mesmo de “A imperatriz de Therm” e outras grandes histórias da série — um autor muito acima de média e capaz de grandes reflexões sobre o sentido de ser humano. Os enredos do ciclo tampouco me agradaram (bem, são mais de 5 mil histórias, algo não vai bater com você), e acabei largando, esperando um próximo ciclo para retornar. O que só aconteceu recentemente.

Pus-me, então, a pensar se valia a pena voltar a ler Perry Rhodan. Vinte anos depois, eu ainda me entreteria? Ou acharia tudo muito simples? Li os primeiros volumes de “O tribunal atópico” e fiquei admirado: se, antes, os autores, por melhor que fossem, sempre pareciam “autores de Perry Rhodan”, agora li autores que estavam escrevendo Perry Rhodan. Claro que a literatura de 1970 não é a mesma de 2010, então foi preciso tato nos julgamentos. E fazer uma pergunta: o que eu havia gostado tanto lá em 2001 quando comecei a ler “O concílio”. A resposta é o que escrevi acima. Em resumo: li umas 160 histórias (sem contar as de ciclos anteriores, que precisariam de um texto a parte); houve momentos desde o insuportável (só lembrar da personagem X-7 me faz ficar chateado, era muito mal-feita) até alguns ápices da literatura de ficção científica — e, no meio, muitas histórias bacanas, alguns arcos que não me instigaram, momentos de genuína reflexão.

O que eu diria a um leitor iniciante, ou a mim mesmo de vinte aos atrás?

Você gosta de ficção científica? Você precisa ler alguma coisa de Perry Rhodan. É ambicioso demais, criativo demais, instigador demais. É sério, outros mundos são pequenos comparado a esse, e vai alargar a visão de qualquer um, permitir julgamentos melhores do que a ficção científica pode e deve fazer.

Por onde começar? Se você quiser ler apenas um único livro, para testar, recomendo “A imperatriz de Therm”, fácil. É brilhante (mas não recomendo o ciclo “Bardioc” para iniciantes). Ou “Missão Stardust”, o primeiro da série (é bem bom, mesmo). Mas qualquer início de ciclo é bacana. Não vale a pena pegar números aleatórios (como fiz com “O supermutante”). Depois de ler o início de um ciclo e mais um pouco da sequência, é possível saltar capítulos sem tantas perdas.

Mas qual ciclo? O melhor é ler os resumos e ver qual mais atrai. No Brasil, há oito iniciados pela Ediouro, e treze pela SSPG. Eu recomendo um mais atual, como o número 1800 ou o 2700. O primeiro, que possui versões das duas editoras, é também muito aconselhável. Ou o próprio “O concílio”. Mas pode ser outro — o importante é começar.

Preciso ler o ciclo inteiro? Essa pergunta é importante, pois muitos podem pensar que devem ler pelo menos 100 novelas, e isso seria demais. O que descobri é: você não precisa ler os ciclos inteiros. Você deve ler até onde está curtindo; quando parar de curtir, diminua, ou até pare. Se eu tivesse parado o ciclo “Afilia” pelo número 760, mais ou menos, estaria tudo muito bem. O melhor é comprar livros de 10 em 10, ou mais se valer monetariamente, e ir seguindo se curtir, ou trocar de ciclo se não curtir mais. Não se sente uma incompletude parando. Cada ciclo possui várias subtramas que vão se resolvendo.

E é isso. Quem sabe, futuramente eu fale mais dos ciclos iniciais ou de outro aspecto da série.

 
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Publicado por em 19/04/2023 em Geral, Literatura

 

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