17 anos após termos visto o primeiro filme do X-men, surge, contra todas as expectativas, um dos filmes mais originais sobre heróis já feito, que trata de temas que nenhum dentre as dezenas já feitas sequer chega perto de tratar – a mortalidade. Passado em um futuro próximo, mas sem nenhum dos sonhos da humanidade realizados – não temos tecnologia de ponta ou carros voando pelos céus – na verdade, tirando alguns detalhes, é igual ao nosso mundo de hoje, mas piorado. A palavra chave para o setting e para o filme é: desolação.
O filme inicia com Logan (Hugh Jackman) trabalhando como chofer, um alcóolatra cujos poderes de cura já não funcionam bem, guardando seus lucros para comprar remédios para Charles Xavier (Patrick Steward), um nonagenário que não consegue mais controlar os seus poderes. Junto de Caliban (Stephen Merchant), os dois sonham em conseguir dinheiro o bastante para comprar um barco e sair da sociedade, passar seus últimos dias no mar.
Os mutantes são parte do passado. Há mais de vinte cinco anos nenhum mutante surgiu, e a maioria dos que conhecíamos já morreu. Mas surge Laura (Dafne Keen), uma menina que possui poderes estranhamente similares ao de Logan – e, com ela, toda uma força governamental que deseja aniquilá-la. Assim, esses últimos mutantes saem em busca de um local talvez real, talvez não, chamado Éden, um paraíso onde mutantes sobreviventes estariam protegidos.
Emocionalmente o filme gira em torno de um tema raramente (ou jamais) visto em filmes de heróis – a velhice e a mortalidade. Até então os heróis sempre foram não apenas invencíveis, mas imortais – mesmo as raras mortes que ocorrem nos filmes são geralmente de personagens secundários (e que podem retornar a qualquer momento). Em Logan, Wolverine e o Professor X são homens velhos, Caliban é frágil, e a sombra da mortalidade é constante, uma assombração que paira sobre o filme até a última cena (literalmente).
Vale notar que o filme é bastante violento, com cabeças decepadas e sangue em grande quantidade. Mas vale elogiar que essa violência nunca é gratuita, mas corrobora com o sentimento de desolação do filme. O assassinato é sempre visto como o último recurso, e reflexo de um mundo onde não há esperanças. Em suma, as mortes não são feitas para serem vibradas, mas desprezadas.
Em espírito este filme é muito mais próximo a um faroeste do que propriamente a um filme de herói. Muitos compararam Logan com os grandes filmes de Clint Eastwood, e é uma comparação coerente. Outros filmes com uma tocada similar seriam Filhos da Esperança ou A Estrada. Também por isso o filme é mais adequado a uma platéia adulta, muito distante de qualquer outra produção da Marvel (ou mesmo da DC Comics). The Dark Knight seria um pouco mais próximo, mas mesmo nesse filme ainda temos muitos malabarismos heróicos – a Batmoto, cair de um edifício de cem andares sem sofrer um arranhão, os planos impossíveis do Curinga, etc. Logan é bastante pé no chão até onde um filme de herói pode ser. Não temos vilões como Curinga ou Zola, com planos absurdos, ou com desejos estilo James Bond de conquistar o mundo ou trazer o apocalipse. Na verdade, a intenção dos vilões não é diferente daquelas de uma Monsanto ou qualquer grande corporação atual, isto é: dominar o mercado, conseguir lucro mesmo que isso exija você matar a concorrência. Como dito, o futuro que é mostrado é só um passo além do nosso.
Apesar do clima lúgubre, o filme faz uso de uma estrutura narrativa bastante complexa no que se refere ao meta, às auto referências. Existe um condutor do filme que são os próprios gibis dos X-Men, e a mensagem passada – além de uma referência direta a um filme de faroeste, Shane – é uma que deveria servir para todas as histórias que são contadas, sejam elas revistas em quadrinhos, filmes ou livros. Pois parte de nosso intelecto depende daquilo que aprendemos através de histórias, dependemos delas para aprender, refletir, julgar. E Logan é o primeiro filme de herói em que isso, nos contar algo, nos mostrar algo real através da ficção, está milhas à frente do resto – à frente de malabarismos, efeitos especiais, missões impossíveis. É por isso que para mim Logan satisfez não apenas como um filme de heróis – ele me satisfez como filme, como uma história que foi contada, sobre a qual podemos pensar.